11 fevereiro 2007

Cena IV



Todos moram juntos: pai, mãe, filho e avô.
1. Toda noite, sagradamente durante anos, vovô se recolhia à biblioteca pontualmente depois do noticiário da rádio: 21h30. Sentava-se na sua velha, querida e confortável poltrona cinza, marcada por alguns furinhos das cinzas incadescentes que dos cigarros caíam. Trazia nesses momentos sempre consigo um castiçal e uma vela. Depois de algumas anotações rotineiras sobre os vícios humanos - vovô sempre teve apreço pela reflexão - desligava a lâmpada e acendia a vela. E ouvindo algum Tchaikovski ou Chopin, punha-se a reler algum velho poema.

2. Muitos o indagavam pelo apreço à velas. Dona Márcia, a nora, sisuda de Itabira, porém pouco versada em versos, professora de geografia na oitava série do colégio da cidade, era a mais insistente. Porém sempre amável e despretenciosa. Numa época como a nossa, dizia, luz elétrica pode e facilita muitas coisas e que, desse modo, vovô, suas vistas de tantos longos invernos, apenas cansam mais e mais...

3. Vovô sempre sorria consigo... e nada mais fazia. Guardava tão somente para si o doce prazer de ter sombras não exatas nas paredes.

Nenhum comentário: