03 fevereiro 2007

Cena III



1. Seu tio, um velho músico das noites de Buenos Aires, diariamente impecável com seu chapéu funghi preto, passeava pelas calles de Palermo falando à Ruan sobre a magia e os sulcos de desejo que o tango causa na pele dos parceiros. Apesar de seus 14 anos, Ruán podia imaginar em traços vulgos a sensualidade da dança. Mas não compreendia aqueles 'sulcos de desejo' que seu tio tanto desmembrava em poesia libidinosa.

2. Sua mãe, uma antiga dançarina e hoje professora em um salão perto do Café Tortoni, diariamente comentava ao jantar sobre os novos alunos e suas evoluções na dança. Detalhadamente descrevia os apredizados. E exaltava-se no adjetivo de 'um certo casal que dança com tanta volúpia! Sim, quanto desejo!'. Era rispidamente ignorada em suas exaltações voluptuosas pelo pai de Ruan: um uruguaio de Bella Unión, não muito versado na volúpia do tango, que acreditava que poesia se fazia em milongas campeiras.

3. Ruan decide aprender tango. Recorre a uma escola em San Telmo, com horários sempre depois da feira de domingo. O professor, um velho dançarino do Tango Mio, pergunta a Ruan:
- Entonces meu jovem, já dançastes alguma vez?
- Não. Já observei muito meu tio, já escutei muito minha mãe e já li muito Mario Benedetti. Mas ainda sou virgem.

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