24 abril 2009

KIND OF BLUE , 1959. Um Gigante Maior



Por que Kind of Blue é considerado um marco na história do jazz? Além de sua imensa beleza e qualidade sonora, por que o álbum de Miles Davis e seu sexteto de 1959 tornou-se praticamente um mito entre músicos e entendidos do gênero musical? O quê de fato houve de novo, original ou diferente naquele álbum para que as coisas mudassem e águas fossem dividas? Essas são perguntas que, certamente, acabam surgindo para aqueles que adentram o mundo do jazz.

Seria muita pretensão minha querer responder aqui essas perguntas. Deixo isso para Ashley Kahn e seu profícuo livro ‘Kinf Of Blue – A História de Obra-Prima de Miles Davis’ (além do próprio álbum, o livro também é obrigatóri
o para fãs de jazz). Aqui me cabe apenas adjetivar um pouco mais essa apoteose jazzística.

A questão da originalidade e inovação é um problema muito caro à estética. Ainda mais à crítica de arte e de música. Muito mais caro ainda quando se trata de jazz – gênero tão preciso de conceituar quanto sua forma de tocar. De todo modo, acredito que uma boa maneira de entender a história e evolução do jazz é usar de uma analogia com a evolução animal: cadeias de micromutações e macromutações. A história do jazz está cheia delas. São inumeráveis as contribuições para o aperfeiçoamento do som e da técnica de cada instrumento, mas podemos numerar alguns poucos que ditam o caminho. (no trompete, por ex., ver post anterior) Cada músico que encontra sua linguagem e aperfeiçoa a técnica do instrumento é um pequeno elo na evolução e reinvenção do gênero. Mas quando um poder maior de observação e síntese, sob a rubrica de uma genialidade intuitiva e musical, exerce uma intervenção, acontece algo novo ou diferente. Uma macromutação. E o Kind Of Blue de 1959 é uma dessas grandes intervenções.



O óvulo começou a ser fecundado alguns anos antes. Cookin' (1956), Relaxin’ (1957), Miles Ahead (1957), Milestones (1958), Workin’ (1959) são a gestação do que viria a ser apresentado em Kind Of Blue. (Aliás, esses respectivos álbuns, em especial Cookin’, são magníficos registros de Miles). O fraseado limpo, seguro, altamente lírico de emoção controlada, amadureceu bastante ao longo desses álbuns. Mas Kind of Blue não foi apenas um grande momento de um Miles Davis em plena forma e vigor criativo. Kind of Blue tornou-se um cânone da onda de experimentações que rolava entorno da busca de novas escalas e estruturas harmônicas. Kind Of Blue estabeleceu uma nova forma de linguagem no jazz: o jazz modal. Um músico ou especialista explicaria melhor isso, mas Ashley Kahn pode ajudar: o jazz modal mudou a estruturação do improviso, não mais estabelecido em acordes ou harmonias, mas em escalas; o que se traduz em permitir a redução do andamento para um tempo mais lento e ponderado, e prolongar a duração dos solos. Enfim, comparado ao bebop, o jazz modal recuperou a simplicidade na música.

O historiador de arte alemão Johann Winckelmann utilizou o conceito de ‘nobre simplicidade e calma grandeza’ para definir a arte plástica dos gregos. Falando da famosa escultura grega Laocoonte, Winckelmann identifica que a expressão grega mostra, mesmo nas maiores paixões e impetuosas exaltações, uma alma magnânima e ponderada. Gosto de pensar em Kind Of Blue nos mesmos termos: pleno equilíbrio entre ímpeto e controle, entre feeling e técnica.

Miles Davis, John Coltrane, Bill Evans, Cannonball Adderley, Jimmy Cobb, Paul Chambers e Winton Kelly, reuniram-se em 2 de Março e 22 Abril de 1959 para gravar a obra-prima. 50 anos depois a repercussão e influência que esse álbum teve ao longo da história do jazz é imensa, senão decisiva. Mas isso já são cenas dos próximos capítulos... Fato é que Kind Of Blue é um dos maiores momentos do jazz, e porque não da música. E é um exemplo de momentos em que the boss Davis ditou o caminho no jazz. Miles Davis foi responsável por algumas das grandes macromutações no jazz.

E se tudo começou escalando a montanha, depois de 59 o horizonte era o limite.

Sobre o Ombro de um Gigante



por Edy Gianez

Miles Davis é a figura central do Jazz. Definidor de caminhos, passou pelo bebop, cool jazz, fusion e, se ainda estivesse vivo, nos levaria a outros cantos do baú misterioso que é este ritmo. Mas é preciso lembrar que se Miles apontou caminhos à frente é porque ele tinha a vista ampla de quem pertence às alturas. E a montanha que ele havia escalado chamava-se Charlie Parker.


Parker, de apelido Bird, fez seu vôo meteórico entre 1920-1955, e conseguiu fazer tal evolução no jazz, tanto quanto Louis Armstrong havia feito na década de 20. Em meados da década de 40 o swing reinava nos EUA, ele havia se tornado o modelo musical da democracia americana e fora a bandeira da liberdade e progresso desse país durante a Segunda Guerra. No entanto, todo modelo é uma forma, e formas delimitam. Daí, um grupo de músicos procurarem outra via para expressarem sentimentos contraditórios à figura do “american way of life” presente no swing (democracia para o mundo e forte preconceito racial dentro de casa, por exemplo).


Dizzy Gillespie, Thelonius Monk, Kenny Clarke e Bird aventuraram-se nos clubes da 52th Avenue, em Manhattan, para remodular o jazz. Se com Dizzy, Clarke e Monk nós tínhamos a harmonia e o ritmo daquilo que viria a ser chamado de bebop, Bird trouxe – como nota o crítico Stanley Crouch, no já citado documentário de Ken Burns – o cimento que uniria esses tijolos, a saber, o fraseado. Parker voava por sobre as escalas intercalando entre uma nota e outra da melodia conforme aos acordes uma série de outras notas numa velocidade inacreditável.


Mas, a velocidade da vida de Parker, abastecida por heroína e álcool, levou-o muito cedo ao acorde final, privando-nos de uma mente musical que tateava com seu saxofone a escuridão que representa desconhecido. Justa homenagem a esse pássaro fez Clint Eastwood no filme “Bird” (1988). E é o mesmo Clint que nos leva de volta a Miles Davis, já que em seu filme “Na linha de Fogo” (1993), o segurança presidencial Frank (Clint) antes de receber o telefonema do provável assassino do presidente, Mitch Leary (John Malkovich), chega em casa exaurido e põe para tocar “All Blues” do disco “Kind of Blue” , que completa 50 anos nesse mês. Enfim, se Miles é um gigante do jazz, é justo dizer que ele atingiu essa altura ao subir nos ombros de outro gigante.






03 abril 2009

A Fine Frenzy (ou Reinventando a Mitologia)



A relação entre Vênus (deusa da beleza) e Euterpe (deusa da música e da poesia) deve ser muito íntima. Euterpe é filha de Zeus e Mnemosine (deusa da memória). Portanto, se há um poder que Euterpe tem é o de lembrar, de não deixar cair no esquecimento. O quê? Bem, Alison Sudol é a resposta. Euterpe recebeu da mãe o poder de lembrar que a beleza existe.



Cantora-compositora americana de Seattle, Alison Sudol, estreeou em 2007 com o álbum One Cell in the Sea, que logo foi muito bem recebido na Europa. Já li por aí que esse não é um álbum que mudará sua vida ou revolucionará seu gosto musical. Mas isso não é nem necessário. Aliás, é bom lembrar que o significado de Euterpe (τέρπ-εω) é 'dar prazer'. Nada mais.

One Cell in the Sea é um álbum bacana de escutar. Tudo bem, não espere uma obra-prima, mas o àlbum tem seus destaques como Almost Lover, You Picked Me e Last of Days. Mas o melhor disso tudo é lembrar quem está cantando e ver que, de fato, Euterpe têm o poder de recordar que a beleza existe.