13 fevereiro 2007

Exclusividades IV



Alguns homens possuem uma memória tão seletiva que, por vezes, eles não lembram de nada.

12 fevereiro 2007

Do Barros

"A voz de meu avô arfa. Estava com um livro debaixo dos olhos. Vô! o livro está de cabeça pra baixo. Estou deslendo."

(Manoel de Barros - Livro Sobre Nada)

11 fevereiro 2007

Cena IV



Todos moram juntos: pai, mãe, filho e avô.
1. Toda noite, sagradamente durante anos, vovô se recolhia à biblioteca pontualmente depois do noticiário da rádio: 21h30. Sentava-se na sua velha, querida e confortável poltrona cinza, marcada por alguns furinhos das cinzas incadescentes que dos cigarros caíam. Trazia nesses momentos sempre consigo um castiçal e uma vela. Depois de algumas anotações rotineiras sobre os vícios humanos - vovô sempre teve apreço pela reflexão - desligava a lâmpada e acendia a vela. E ouvindo algum Tchaikovski ou Chopin, punha-se a reler algum velho poema.

2. Muitos o indagavam pelo apreço à velas. Dona Márcia, a nora, sisuda de Itabira, porém pouco versada em versos, professora de geografia na oitava série do colégio da cidade, era a mais insistente. Porém sempre amável e despretenciosa. Numa época como a nossa, dizia, luz elétrica pode e facilita muitas coisas e que, desse modo, vovô, suas vistas de tantos longos invernos, apenas cansam mais e mais...

3. Vovô sempre sorria consigo... e nada mais fazia. Guardava tão somente para si o doce prazer de ter sombras não exatas nas paredes.

03 fevereiro 2007

Cena III



1. Seu tio, um velho músico das noites de Buenos Aires, diariamente impecável com seu chapéu funghi preto, passeava pelas calles de Palermo falando à Ruan sobre a magia e os sulcos de desejo que o tango causa na pele dos parceiros. Apesar de seus 14 anos, Ruán podia imaginar em traços vulgos a sensualidade da dança. Mas não compreendia aqueles 'sulcos de desejo' que seu tio tanto desmembrava em poesia libidinosa.

2. Sua mãe, uma antiga dançarina e hoje professora em um salão perto do Café Tortoni, diariamente comentava ao jantar sobre os novos alunos e suas evoluções na dança. Detalhadamente descrevia os apredizados. E exaltava-se no adjetivo de 'um certo casal que dança com tanta volúpia! Sim, quanto desejo!'. Era rispidamente ignorada em suas exaltações voluptuosas pelo pai de Ruan: um uruguaio de Bella Unión, não muito versado na volúpia do tango, que acreditava que poesia se fazia em milongas campeiras.

3. Ruan decide aprender tango. Recorre a uma escola em San Telmo, com horários sempre depois da feira de domingo. O professor, um velho dançarino do Tango Mio, pergunta a Ruan:
- Entonces meu jovem, já dançastes alguma vez?
- Não. Já observei muito meu tio, já escutei muito minha mãe e já li muito Mario Benedetti. Mas ainda sou virgem.

02 fevereiro 2007

Fórmula do Constrangimento

O pesado saber silencioso:
eu sei
que você sabe
que eu sei.