O C.J. está completamente certo. É bem provável que Time Out seja o melhor disco para todos aqueles que gostariam de se aproximar do jazz e não sabem por onde começar. Afinal de contas, quando pensamos em jazz, a primeira coisa que nos vem à mente é aquele fraseado enlouquecido do bebop, ou então aquele som de vitrola velha nos fundos de um antiquário. Mas faz um grande favor ao nos presentear com maravilhosas melodias facilmente 'assoviáveis'. Lembro-me de ficar, na época de colégio, tentando reproduzir os solos de Dave Brubeck Paul Desmond com a boca (prática ridícula e desaconselhável), pois eram fáceis de lembrar e nem por isso desprovidos de lirismo.
Mas tenho que confessar que minha introdução a este mundo musical se deu pelo outro disco citado por nosso amigo: Time Further Out (1961), gravado dois anos depois do clássico Time Out. Logo de cara, temos na capa do disco um quadro de Miró a nos fornecer o espaço onde se desenvolvem os compassos das músicas (em especial, e em destaque, os compassos 3/4 e 5/4, inovadores para a época, onde até então o jazz caminhava em 2/4 e 4/4). Mantendo o mesmo empenho em trazer outras culturas musicais para dentro do jazz (talvez daí a universalidade que Brubeck tão logo alcançou) - como no caso da marcha turca em Blue Rondo a la Turk de Time Out (59) -, Brubeck recupera o ritmo de cerimênia dos maoris da Nova Zelândia em Maori Blues, a sensualidade de Chopin em Bluette, os tambores africanos em Far More Drums e, uma das músicas mais divertidas do jazz e que recupera a técnica do sapateado (apontado por alguns como sendo mais responsável pelo origem do jazz do que os tambores africanos): Unsaquare Dance.
Quanto à relação entre Miró e Brubeck, ele mesmo explica -
Uma palavra final sobre esse disco: ele é como um daqueles arcos romanos fincados na entrada das cidades a fim de marcar a grandiosidade do império para aqueles que adentravam-o (ou melhor, para marcar a vitória dos romanos a cada batalha de expansão do seu domínio). Do mesmo modo, Time Further Out marca a grandiosidade do jazz sem, contudo, atrapalhar o ouvinte neófito com intrincadas melodias ou ritmos impraticáveis para a sola de nossos pés. Esse disco do quarteto de Brubeck de 1961 é para ouvir e sair cantando. Ele é uma vitória do gênio contra o preconceito. Da sensibilidade melódica contra a audição oca do entretenimento. É um disco de formação, como diriam os românticos alemães, e também um disco de coração.
Mas esse papo todo de ficar lembrando da minha ridícula prática de imitar Paul Desmond com o canto da boca no colégio, me fez lembrar de outra coisa: o lançamento da HQ Retalhos, de Craig Thompson. Ao ver esse quadrinho pela primeira vez na livraria, confesso que não me animei muito para ler suas mais de 570 páginas - apesar do magnífico traço branco e preto de Thompson. Na verdade, foi o reforço da qualidade do trabalho dado por Hiro (o artista responsável, entre outros, pelo desenho que encontramos na bandeijinha do McDonalds) que me levou até a mesma livraria e adquirir o calhamaço.
Outro momento digno de nota é quando Craig e Raina têm uma relação mais 'íntima', a descrição poética daquele encontro de corpos é realmente de se ficar pensando em como a relação apática dos casamentos modernos transforma toda a magia do desejo em burocracias da carne (quando ainda há tal burocracia, quando ele não foi soterrada pelas preocupações cotidianas e distâncias caseiras).
O fato é que, ao mesmo tempo em que eu ficava cantarolando Paul Desmond na última carteira do terceiro colegial (peço desculpas aos meus amigos das carteiras mais próximas), pensava em Craig: "Obrigado Deus, pela perfeição de suas criaturas. De pele suave e pálida como o luar, sob a pele, seus ossos se entrelaçando, se ajustando, subindo pela crista ilíaca, mergulhando na clavícula. Obrigado pelo ritmo de seus movimentos, curvando-se, espreguiçando-se, seus contornos envolvendo o cobertor como onda. Ela é sua. Ele é perfeita. um Templo! Seu cabelo derramando-se sobre as têmporas. Deitado sobre seu peito, posso ouvir a eternidade... espaços ocos, solitários, e correntes que se agitam sem cessar. A neve caída recebe a neve cadente como um sussurro".